quarta-feira, 15 de agosto de 2012


Sexy e Sensual: As Mulheres e seus Anexos.



     O conceito de mulher sexy está muito próximo ao de mulher sensual, porque ambos percorrem caminhos semânticos parecidos na definição da mulher como objeto estético. Porém, os sentidos da língua portuguesa podem ser alterados ao sabor das idéias de quem se apropria de seus códigos, desde que se mantenha alguma relação de coerência com os mesmos, até porque as palavras sexy e sensual estão vinculadas às imagens que formamos em nossa cabeça e acionamos todas as vezes que alguém profere estes termos, numa mistura dinâmica de sociolingüística e subjetividade, que torna possível relativizar os conceitos.  

     Ser mulher sexy, portanto, está mais associado à forma física que constitui o corpo feminino e todos os seus derivados exteriores: roupas, sapatos, maquiagens, jóias, enfim, a estilização da imagem provocada intencionalmente para parecer mais sexy. Já no âmbito da sensualidade é necessário trabalhar a gesticulação, a postura, a conduta e o movimento, atributos subjetivos expressivos e reprodutores, no canal corporal, das idéias e do pensamento. Nesta chave de interpretação, a palavra sexy nos deixa um lastro de materialidade, onde o domínio do palpável é inalienável na definição do conceito. Na dimensão da sensualidade, temos fatores diferentes a considerar, pois ela é produto do interior da mulher, de suas percepções mais íntimas, da visão de mundo. A sensualidade é algo relativamente abstrato e, posto que se manifeste no corpo da mulher, não é oriundo dele, é fruto da alma.

     Querendo ser sexy, a mulher vai à academia onde malha o corpo; querendo ser sensual, a mulher vai à academia – Universidade – onde malha cérebro, porque nesta se estuda comunicação corporal, linguagem não verbal, expressão visual, teatro, História, Música e poesia. Por vezes, o fator genético endossa o caráter sexy feminino, haja vista que algumas mulheres são contempladas geneticamente com o padrão físico do ideal estético vigente, em outros casos persegue-se a beleza, através de sucessivas investidas em lipoaspiração, depilação, plástica corretiva, etc. Isto me faz lembrar um ritual de passagem da tribo Kamayurá no Mato Grosso, cuja transição – das mulheres – da condição de jovem à adulta se estabelece por meio de um retiro de alguns anos das mesmas, durante esse período seu corpo é alvo de constantes suplícios, nos tornozelos e joelhos, como forma de preparação para uma vida virtuosa na tribo. Essa idéia de virtude e afirmação está associada à preparação anterior do corpo da mulher que, não sem dor, toma a forma adequada aos parâmetros convencionais daquela tribo. Guardando-se os devidos contextos, tanto a mulher índia, com o ritual de passagem de sua tribo, quanto a mulher “branca”, com a clínica de lipoaspiração e depilação, experimentam no corpo a seqüela oriunda de uma utopia humana de consagração estética.   

     A sensualidade não necessita de açoites nem tortura, ela é plena porque emerge de um espírito povoado pela arte de ser e não de estar, aqui estaria, portanto, a distinção fundamental: nunca se é sexy, mas se está sexy. O tempo é agente implacável com a mulher sexy, sua ação caminha na contramão da beleza, e logo o que um dia fora belo, agora é só agrura, carcomeu-se.    

     Os pormenores gerais de uma mulher sensual podem ser arrolados analisando sua personalidade, haja vista que para a sensualidade se expressar a própria envergadura do conteúdo espiritual feminino é ressaltado na medida em que sua ação é reproduzida no mundo sensível. A saber:

1.      Elas rejeitam a banalidade generalizada do mundo medíocre;

2.      Recusam o padrão escravocrata de estética propalado pelos imperativos do bagaço mental, e embora sejam vaidosas, suas verdades sobre a beleza estão vinculadas ao equilíbrio corpo\mente;

3.      Jamais aceitam serem chamadas de cachorras, safadas, novinhas, ou qualquer outro adjetivo que endosse estereótipos ridículos de um Mc qualquer, pela simples razão de não reconhecer em suas experiências tal condição;

4.      São independentes, mas sabem o ser: não se valem da independência para afrontar os homens, para mostrar que podem fazer e acontecer. Não. Naturalmente manifestam suas preferências, contudo, sem provocar constrangimentos ou situações embaraçosas;

5.      São absolutamente educadas, não necessitam gritar para mostrar que chegaram, porque na verdade não chegam, surgem, bem como a lua-cheia: silenciosa, misteriosa e exuberante em si mesma;

     Em se tratando do ser humano, logicamente não encontramos com facilidade a pureza sensual em sua plenitude, nem a totalidade do caráter sexy sem ponderações, porquanto as camadas de sociabilidade a que estão submetidas já lhes confere ressalvas. Recorro neste instante ao caráter predominante: se o sexy ou se o sensual. Posto deste modo, digo que há um princípio geral da ação masculina no mundo que baliza o tratamento das desiguais na medida de suas desigualdades, refiro-me a postura dos homens em face desses dois caracteres femininos dominantes, o sexy ou o sensual: diante de uma mulher sexy (predominante) a conversa perpassa por festas, carros e bebida; diante de uma mulher sensual (predominante), livros, Música e trabalho.  

     É muito interessante como as pessoas são capazes de se modificar simplesmente pela experiência do contato com os outros e com o mundo que o cerca, porque é neste diálogo que seu mundo se transforma. É possível que no universo cultural e material da mulher sensual houvesse a oportunidade de emancipação espiritual, crítica e ideológica que a conduziu ao encontro das rédeas da sensualidade. Por outro lado, é possível que a mulher sexy, sofrendo a submissão contínua da sujeira mental introjetada por aqueles que insistem em deixar o povo naquele mesmo lugar marginal de anos a fio, permaneça no lugar comum da ignorância servil. Uso o termo “possível” porque compreendo que outras possibilidades acontecem na vida das pessoas, uns com cara de circunstância outros como desafio, mas seja como for, caso não passe pelo filtro do pensamento crítico, como diria Fernando Pessoa: “teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.    

Do Espírito das Piriguetes

     Causa e efeito, palavra e gesto, discurso e ação podem ser tomados por categorias mentais indissociáveis na definição dos homens em sociedade. Não é possível, segundo o que consta nesta prerrogativa, conceber uma explicação plausível ao comportamento humano lançando mão do binômio palavra\ação, cuja mediação está assentada nas operações íntimas do pensamento. O pensamento por sua vez, posto que seja livre, dialoga com diversos fatores distintos, variando com os sinais que vão sendo apresentados no cotidiano, quais sejam: novelas, filmes, artistas, personalidades, a relação sujeito-sujeito, sujeito-objeto, sujeito-natureza, etc. Apesar do caráter íntimo com qual o pensamento se articula, ocupando a dimensão subjetiva dos indivíduos, ainda assim não exclui a possibilidade viva do acesso de segundos e terceiros às suas entranhas, pois, não querendo os homens reservar a si mesmos os seus sentimentos, desenvolveram duas linguagens – a fala e a imagem – e desde então suas almas foram traduzidas. 

    Palavra e imagem associadas são reveladores das verdades alheias, porquanto permitem aos astutos penetrar no horizonte mental das pessoas, mapeá-los, e por assim dizer, conhecer seus desejos mais reservados, seus objetivos, medos, dramas, frustrações, preferências e tragédias. Foi, por exemplo, uma estratégia desenvolvida pelos jesuítas do século XVII, quando da cristianização dos indígenas na Amazônia, incutir a língua portuguesa naqueles homens, porque os padres da Companhia de Jesus sabiam que por meio desta, conquistariam o acesso ao pensamento dos índios, uma vez que para pensar é necessário acionar mecanismo cerebral específico, e uma língua em comum se torna peça fundamental para quem quer saber qual a linha de raciocínio que cerca uma palavra, uma frase, etc., já que linguagem são signos que nos servem de recursos concretos para a manifestação de nossas mais profundas demandas.

     E é exatamente baseado nos pressupostos supracitados de palavra e ação que tentarei operar na análise geral do fenômeno do periguetismo, porque palavra (discurso) significa, nesta perspectiva, horizonte mental, e ação (imagem) é o reflexo no corpo e na vida dos códigos e imagens presentes no rol de referencias dos indivíduos, é a tradução concreta de um ideal estético, de um modo de ser\estar e sentir, e dos sentidos que norteiam uma trajetória. 

     Com freqüência tem se falado sobre esse personagem social muito em voga nesses tempos de esbórnia quase generalizada no Brasil: a Piriguete. Algumas pessoas, especialmente mulheres, divergem nas opiniões sobre o assunto, cujo discurso vai desde quem seja taxativa em dizer que as piriguetes são vagabundas (uma releitura da prostituição indireta), até quem concorde com essa postura feminina dizendo que faz parte da mulher moderna.

     Mas como identificar uma típica piriguete? Bem, algumas características da moda piriguete, de tanto evidentes que são, saltam aos olhos: roupas extremamente curtas (justas) e apertadas, o penteado ordenadamente esticado via chapinha, muita maquiagem no rosto resvalando ao visual noiva cadáver e gravíssimos problemas na construção do raciocínio coerente.

     É essencial ao fenômeno do piriguetismo a beleza física, para essas mulheres a medida da vida está vinculada diretamente à forma exterior das coisas, a validade de um relacionamento afetivo baseia-se no padrão corporal imposto pela mídia e acatado como verdade absoluta por elas. A futilidade povoa a consciência dessas pessoas, quando numa entrevista pergunta-se a uma piriguete por que ela se veste daquele jeito, a resposta é sempre a mesma: “porque o que é bonito é para se mostrar”. Analisando esse discurso proferido por elas e comparando com o da mulher que pensa, percebemos que o campo visual de uma piriguete é o mesmo do de uma mulher de verdade, todavia o que difere esses dois tipos femininos é a profundidade com que ambas enxergam, pois as primeiras, apaixonadas pelo superficial, por mais que se esforcem, conseguem alcançar apenas as aparências que, por vezes, não passam de um rascunho muito deformado da realidade; já as segundas, revestidas de recursos e com o olhar treinado, penetram na essência do ser humano e vislumbram outras possibilidades.

     A piriguete se emociona com o funk, porque esse estilo musical tem um significado central na afirmação de sua personalidade, suas letras dizem para o mundo quem ela é. Ademais, o funk é parâmetro hierarquizante do piriguetismo, e aquela que desce até o chão, embalada pelo som de Mc-Catra (o profeta das piriguetes) tem status elevado no meio das outras, estaria num patamar superior em relação às aspirantes. Elas não sabem conversar outro assunto que não seja roupa e festa, e quando perguntadas sobre a vida, o mundo e as artes, respondem laconicamente: “é verdade”, “com certeza”, “anram...”. Dada sua limitação mental. Não há nada mais entediante a uma piriguete do que um professor em sala de aula, porque este representa um empecilho ao sono da beleza, à academia ou ao encontro com o cara do som automotivo.  

     Voltando ao âmbito da indumentária, o ato de vestir-se diz muito sobre quem é uma pessoa, pois a ação de escolher voluntariamente uma roupa expõe nossas intenções de aparecer no mundo. Alguns, quando se vestem, preferem passar a imagem de tranqüilidade, portanto vestem branco; outros querem demonstrar credibilidade, usam o azul (por isso que o Jornal Nacional tem como pano de fundo o azul); querendo ser identificado como revolucionário, a cor é o vermelho, etc... As piriguetes desenvolveram uma técnica que, por meio da indumentária, chama-se a atenção dos homens, mas infelizmente sua estratégia tomou rumo nebuloso quando confundiu sensualidade com vulgaridade; elas saem com roupas chamativas que lhes atribui visibilidade, porém com prazo de validade para acabar, porque homem até sente atração sexual por piriguete, mas nada que se compare com a sensualidade, a elegância, a classe, o estilo e o poder de uma Mulher de Verdade, porque estas sim são eternas.