quarta-feira, 15 de agosto de 2012


Do Espírito das Piriguetes

     Causa e efeito, palavra e gesto, discurso e ação podem ser tomados por categorias mentais indissociáveis na definição dos homens em sociedade. Não é possível, segundo o que consta nesta prerrogativa, conceber uma explicação plausível ao comportamento humano lançando mão do binômio palavra\ação, cuja mediação está assentada nas operações íntimas do pensamento. O pensamento por sua vez, posto que seja livre, dialoga com diversos fatores distintos, variando com os sinais que vão sendo apresentados no cotidiano, quais sejam: novelas, filmes, artistas, personalidades, a relação sujeito-sujeito, sujeito-objeto, sujeito-natureza, etc. Apesar do caráter íntimo com qual o pensamento se articula, ocupando a dimensão subjetiva dos indivíduos, ainda assim não exclui a possibilidade viva do acesso de segundos e terceiros às suas entranhas, pois, não querendo os homens reservar a si mesmos os seus sentimentos, desenvolveram duas linguagens – a fala e a imagem – e desde então suas almas foram traduzidas. 

    Palavra e imagem associadas são reveladores das verdades alheias, porquanto permitem aos astutos penetrar no horizonte mental das pessoas, mapeá-los, e por assim dizer, conhecer seus desejos mais reservados, seus objetivos, medos, dramas, frustrações, preferências e tragédias. Foi, por exemplo, uma estratégia desenvolvida pelos jesuítas do século XVII, quando da cristianização dos indígenas na Amazônia, incutir a língua portuguesa naqueles homens, porque os padres da Companhia de Jesus sabiam que por meio desta, conquistariam o acesso ao pensamento dos índios, uma vez que para pensar é necessário acionar mecanismo cerebral específico, e uma língua em comum se torna peça fundamental para quem quer saber qual a linha de raciocínio que cerca uma palavra, uma frase, etc., já que linguagem são signos que nos servem de recursos concretos para a manifestação de nossas mais profundas demandas.

     E é exatamente baseado nos pressupostos supracitados de palavra e ação que tentarei operar na análise geral do fenômeno do periguetismo, porque palavra (discurso) significa, nesta perspectiva, horizonte mental, e ação (imagem) é o reflexo no corpo e na vida dos códigos e imagens presentes no rol de referencias dos indivíduos, é a tradução concreta de um ideal estético, de um modo de ser\estar e sentir, e dos sentidos que norteiam uma trajetória. 

     Com freqüência tem se falado sobre esse personagem social muito em voga nesses tempos de esbórnia quase generalizada no Brasil: a Piriguete. Algumas pessoas, especialmente mulheres, divergem nas opiniões sobre o assunto, cujo discurso vai desde quem seja taxativa em dizer que as piriguetes são vagabundas (uma releitura da prostituição indireta), até quem concorde com essa postura feminina dizendo que faz parte da mulher moderna.

     Mas como identificar uma típica piriguete? Bem, algumas características da moda piriguete, de tanto evidentes que são, saltam aos olhos: roupas extremamente curtas (justas) e apertadas, o penteado ordenadamente esticado via chapinha, muita maquiagem no rosto resvalando ao visual noiva cadáver e gravíssimos problemas na construção do raciocínio coerente.

     É essencial ao fenômeno do piriguetismo a beleza física, para essas mulheres a medida da vida está vinculada diretamente à forma exterior das coisas, a validade de um relacionamento afetivo baseia-se no padrão corporal imposto pela mídia e acatado como verdade absoluta por elas. A futilidade povoa a consciência dessas pessoas, quando numa entrevista pergunta-se a uma piriguete por que ela se veste daquele jeito, a resposta é sempre a mesma: “porque o que é bonito é para se mostrar”. Analisando esse discurso proferido por elas e comparando com o da mulher que pensa, percebemos que o campo visual de uma piriguete é o mesmo do de uma mulher de verdade, todavia o que difere esses dois tipos femininos é a profundidade com que ambas enxergam, pois as primeiras, apaixonadas pelo superficial, por mais que se esforcem, conseguem alcançar apenas as aparências que, por vezes, não passam de um rascunho muito deformado da realidade; já as segundas, revestidas de recursos e com o olhar treinado, penetram na essência do ser humano e vislumbram outras possibilidades.

     A piriguete se emociona com o funk, porque esse estilo musical tem um significado central na afirmação de sua personalidade, suas letras dizem para o mundo quem ela é. Ademais, o funk é parâmetro hierarquizante do piriguetismo, e aquela que desce até o chão, embalada pelo som de Mc-Catra (o profeta das piriguetes) tem status elevado no meio das outras, estaria num patamar superior em relação às aspirantes. Elas não sabem conversar outro assunto que não seja roupa e festa, e quando perguntadas sobre a vida, o mundo e as artes, respondem laconicamente: “é verdade”, “com certeza”, “anram...”. Dada sua limitação mental. Não há nada mais entediante a uma piriguete do que um professor em sala de aula, porque este representa um empecilho ao sono da beleza, à academia ou ao encontro com o cara do som automotivo.  

     Voltando ao âmbito da indumentária, o ato de vestir-se diz muito sobre quem é uma pessoa, pois a ação de escolher voluntariamente uma roupa expõe nossas intenções de aparecer no mundo. Alguns, quando se vestem, preferem passar a imagem de tranqüilidade, portanto vestem branco; outros querem demonstrar credibilidade, usam o azul (por isso que o Jornal Nacional tem como pano de fundo o azul); querendo ser identificado como revolucionário, a cor é o vermelho, etc... As piriguetes desenvolveram uma técnica que, por meio da indumentária, chama-se a atenção dos homens, mas infelizmente sua estratégia tomou rumo nebuloso quando confundiu sensualidade com vulgaridade; elas saem com roupas chamativas que lhes atribui visibilidade, porém com prazo de validade para acabar, porque homem até sente atração sexual por piriguete, mas nada que se compare com a sensualidade, a elegância, a classe, o estilo e o poder de uma Mulher de Verdade, porque estas sim são eternas.   

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