sábado, 31 de março de 2012

O eu-dramático, o eu-arrazado.






Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?
Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
Álvares de Azevedo

      Se eu tivesse uma máquina do tempo que me permitisse o acesso a meados do século XIX, perguntaria a Almeida Garrett (1799-1854), um dos introdutores da estética romântica em Portugal, e a Álvares de Azevedo (1831-1852) - da segunda geração - qual seria a origem de suas tragédias?
      É bem representativo de uma época certas condutas que retratam uma tendência de pensamento diluídas na sociedade. Lembro-me das aulas de literatura, quando de minha preparação para o vestibular, em que o professor Zé Maria – o famoso Zema – inspirado, tracejava linearmente as fases do Romantismo e discorria acerca dos aspectos da técnica literária do fazer poético de Garrett e Álvares de Azevedo, estabelecendo um diálogo entre os poetas e seu tempo. Logicamente que Zema, seguindo um programa cujo enfoque era o vestibular, privilegiava personagens da literatura que reuniam em si todos os atributos reflexos da sociedade de outrora: era o caso de Almeida Garrett e Álvares de Azevedo.
      A partir desse referencial poético, filho da disseminação de uma idéia de literatura e articulado com a concepção de modernidade à época, criado no seio daquela sociedade e para aquela sociedade, outros escritores adotaram essa estética como guia para descrever sua subjetividade. O desdobramento de tudo isso foi que com o passar do tempo, o Romantismo foi incorporando outros elementos que o renovaram e, de certa forma rompendo com certos formatos de composições literárias, seja na poesia, seja na prosa, endossando outros. E o ultra-romantismo que um dia foi tão valorizado e até mesmo desejado, passa a ser alvo de críticas, dentre outras coisas por se afastar da razão... Era a sucessão dos tempos anunciando a emergência do Realismo.
      Poetas românticos, desde então, passam a ser identificados com a pieguice, com o eu-dramático, o eu-arrazado, finalmente decretando a “falência” estética do movimento, mas de maneira nenhuma sua extinção, e a vigência de outra matriz literária.  

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